6 de fev. de 2010

"Cérebroooooooooooooo..."


Muita gente não sabe, mas o filme de zumbi tem uma profunda mensagem de crítica social.

wtf?

É, tem sim. "Jura?". Juro de pé junto. O cara que emplacou a ideia do zumbi que a gente ve hoje no cinema foi o Romero. George Romero. Aclamado pelos fãs do gênero e ignorado pelo público em geral, ele foi uma pessoa que deu um passo a frente e gritou "ta tudo errado". Com a sociedade, quero dizer...

Década de 50 nos EUA. Quando começou sua carreira nessa época, Romero sempre contratou atores negros, que via de regra eram discriminados na profissão, pra representarem papéis de destaque em seus filmes (coisa que pouca gente tinha coragem de fazer; e mesmo os simpatizantes da causa, que queriam dar coro a voz do movimento, acabavam desencorajados porque muitas vezes sofriam violência, eram assediados e pagavam um auto custo em suas vidas pessoais por tal ato).

Mas o principal não era isso. No auge da contra-cultura, pegando um pouco o embalo do movimento hippie, ele quis que as pessoas parassem um pouco pra pensar na sociedade (tirânica) que construiram.

Seus filmes são eivados de uma visão pessimista. Pro Romero, o homem da sociedade em que vivia era instintivo, tacanho e animalesco: é como se tivéssemos expressado em sociedade o lado destrutivo do que somos em natureza - o homem defensivo, preocupado com seu bem-estar de forma egoística, acabava criando um sistema de selvageria nas relações entre as pessoas.

De um lado, temos os zumbis: representando a mentalidade de rebanho que adotamos, absorvendo e reproduzindo valores de forma acrítica, ou simplesmente pelo conforto de nos sentirmos bem pertencendo ao grupo ou a um propósito. Assim como eles, somos uma massa de bonecos descerebrados, sem instinto individualista, andando em manada, obedientes a cultura vigente propagada pelos líderes e autoridades que elegemos, da mesma forma que uma boiada segue o líder da manada. E não só isso: assim como eles, nós queremos destruir quem não pertence ao nosso mundo! Queremos comer seus cérebros, destruindo seu poder de pensar, de questionar e quebrar com os nossos valores dogmáticos; destruir sua capacidade de construir uma sociedade plural, includente e respeitadora do diferente. Ao demonizarmos o outro grupo, que pensa diferente de nós, e os perseguirmos e exterminarmos, estamos escolhendo categoriza-los como não-humanos.

Para Romero, os que assim agem é que são os verdadeiros demônios. Por isso o cineasta inverte as roupagens, que antes eram de um jeito, e coloca neles a do inumano.

De outro lado, temos as cenas no filme em que os personagens estão acuados num espaço pequeno e tendo que conviver com outros indivíduos das mais diferentes origens. Esse é um aspecto marcante dos filmes do Romero, em contraposição ao de vários outros diretores: ele joga uma lente poderosa, que sonda essa dinâmica em grupo quando pessoas diferentes são colocadas em situações extremas, que exigem decisões que expressem seus valores mais íntimos (BBB me vem a cabeça... ratinhos num laboratório).

Aqui eu faço uma pausa pra dizer que eu não sei a opinião dele sobre qual a natureza do ser humano. Me parece - e na verdade é isso o que eu penso - que ele quer provar que o ser humano é complexo, as vezes ambivalente e até contraditório: que possui instintos que o colocam numa postura extremamente defensiva, isto é, de enxergar perigo potencial em tudo, principalmente no diferente e no desconhecido; mas que o ser humano possui outro lado, que o faz necessitar emocionalmente da vida em bando (em sociedade), ter a necessidade do calor dos outros indivíduos, da busca pela criação de um mundo social cheio de propósitos e de significâncias, e finalmente de ter a capacidade de se emocionar com algo que ele criou uma ligação. E que nós construimos uma sociedade fortemente baseada no primeiro conjunto de instintos, os destrutivos, mas não no segundo conjunto, e isso está fazendo com que nos violentemos.

É bom lembrar que, na época dele, as pessoas no mundo ocidental viviam com o medo da guerra nuclear, e em meio a isso havia a mútua demonização entre as duas polaridades que dominavam o mundo, de modo que se criou um estado de cataclisma iminente, pois "o outro lado quer nos destruir".

Tem algumas cenas memoráveis de seus filmes que remetem a esses questionamentos. No final do primeiro filme, quando a protagonista (uma mulher!) sobrevive, fica forte e se junta aos humanos que organizaram a resistência, ela os vê atirando em zumbis e os caçando por esporte, praticando tiro ao alvo, etc. Ela passa a perceber que os humanos não possuem nada de diferente da atitude dos zumbis, e se questiona se valeu a pena ter sobrevivido. É realmente um final distópico (que é um final pessimista, o contrário de utópico).

No filme mais recente, em que um grupo de universitários luta pra sobreviver, tem uma parte em que eles ouvem os gemidos característicos de um zumbi e se viram, pra ver um homem se aproximando com os braços abertos. Eles quase atiram no homem, mas descobrem que é um surdo-mudo, que não sabe vocalizar a conversa (e por isso acaba gemendo igual um dos mortos-vivos), além de ele ter uma aparência meio atípica - usa oculos fundo de garrafa e cabelos e roupas mal cuidados por ter estado no trabalho braçal da fazenda. Essa cena eu achei genial. Por ser um deficiente físico, eu sei como essas pessoas não são enxergadas na sociedade.

Qualquer semelhança com um mundo hobbesiano, realista, de causa-e-consequência e de amoralidade, não é mera coincidência, hehehe. Bem, vou parar por aqui, porque eu consigo ir muito longe nas análises, de tanto que já pensei sobre a coisa. Quem sabe em outros posts...


Prepare a pipoca, que aqui vai a lista de vários filmes de zumbi, que eu acho que vai agradar o iniciante no assunto. A não ser que vc seja um daqueles que fala "odeio filme de zumbi e todo mundo que gosta é chato e bobo e besta", vc vai ter diversão garantida. :b

Alguns são do Romero, só que refilmados pela garotada recente de hollywood:

- Night of the Living Dead: pra mim é o melhor de toda e qualquer lista; tem o clima que eu acho clássico pra um filme não só de zumbi, mas de terror
- Dawn of The Dead: estilo mais de ação, mas ainda profundo nas análises do ser humano vivendo em grupo; é herdeiro das antigas cenas do Romero, que enfatizava muito os diálogos longos e o horror expressado nos sobreviventes
- Day of the Dead: só de ter a Mena Suvari tirando o chapeu e a jaqueta militar já vale a pena ;)
- Land of the Dead: assim como o Dawn, é de ação mas um pouco reflexivo; destaque pro John Leguizamo, que manda pacarálio
- Diary of the Dead: dirigido pelo mestre Romero, é o que tem a cena do surdo-mudo
- 28 Days Later: alta adrenalina... esse é pros que adoram susto e tensão em altíssimass doses
- 28 Weeks Later: se voce viu o anterior, veja este tambem; a cena de abertura é pesadíssima, intensa e da o tom pessimista pro resto da hora e meia!
- Zombieland: este já brinca com o gênero e mistura zumbis com comédia; as piadas são as melhores que já vi no gênero
- Zombie Strippers: imagine a metáfora do zumbi usada pra criticar o machismo, e ainda por cima num tom de humor... não conseguiu fazer a ligação? Então assista a este filme, pois ele consegue, e bem (e veja os peitos da Jenna Jameson)

Aprendendo a questionar

Eu lembro uma vez que a família toda foi passar as férias na casa da minha vó. Eu tinha uns dez anos e a minha priminha estava na fase do "porque". Ela devia ter uns quatro anos.

Porque isso? Porque aquilo? Porque? Porque? Porque? Tudo o que eu falava, ela perguntava. Era tudo mesmo; porque a gente ia brincar de saltar os obstáculos, de olhar as formigas, porque o doce-de-leite vinha em caixinha, porque o carteiro entregava... E não adiantava, quanto mais eu respondia, mais ela perguntava. Aí a gente ia chegando ao âmago dos motivos, e tinha hora que eu sentia que não fazia mais sentido perguntar. Eu falava "ué, porque é assim".

Eu até achei bem legal, porque eu ficava sentindo como se estivesse ajudando a educá-la, me sentia algo responsável e mais maduro. Mas tambem deve ser um saco pros pais, hehehe.

Ha pouco tempo eu estava procurando nas livrarias virtuais uns livros sobre bolsa de valores pra estudar (mais sobre isso numa futura postagem...) e por puro acaso topei com um livro sobre outra coisa que adoro - a filosofia. Esse outro livro era daquele tipo "filosofia para iniciantes" (eu me considero iniciante, por isso gostei dele u.u').
E o tema que ele abordava é bem legal. Ele queria ensinar as pessoas que filosofia é, antes de mais nada, aprender a questionar.

Quando a gente nasce, muita coisa é passada pra gente, então acabamos sendo criados com muitas verdades "prontas". O engraçado é que a gente cresce e caminha a vida toda agindo, muitas vezes, sem voltar atrás e conferir se aquelas coisas são boas pra nós, se realmente batem com nossa experiência do mundo como um todo ou se são um testemunho muito limitado e particular. Isso pode cair no lado trágico, de toparmos com coisas novas, que quebram com as verdade que nos foram passadas - e ao invés de adotarmos outros paradigmas no lugar, a gente ignora a coisa nova ou, pior, destroi ela. Isso é a autêntica ignorância em forma de tirania.

Então, a meu ver o grande papel da filosofia é voltar atrás e parar pra perguntar: "porque?".

Eu acho que é por isso que o estereótipo que se pinta dos filósofos ou dos amantes da área é de malucos, gente excêntrica, fora do convencional. E é isso mesmo. Se a gente para pra questionar as coisas mais básicas, a gente pode acabar achando respostas bem diferentes, o que nos tornará seres realmente diferentes. Talvez isso nos torne apenas autênticos ou "estrangeiros". Mas se a coisa for muito adiante, podemos nos tornar párias, contraventores ou mesmo alienígenas.

Então a gente pode pensar nas perguntas básicas como "Deus existe?", "de onde viemos?", "pra onde vamos?", "existe um propósito para o universo?". Só que aí vem a parte mais maluca da coisa: a gente pode questionar coisas ainda mais básicas, como "o mundo existe?", ou "eu existo??".

Algumas perguntas podem parecer absurdas. Mas isso (provavelmente) é porque a gente julga a resposta tão óbvia e auto-explicativa, que não paramos pra perceber um fato atrelado a isso: que estamos na verdade respondendo a pergunta com algo que nos foi passado, sem termos genuinamente pensado se tal coisa é assim. Um exemplo: a bíblia diz a verdade? a ciência diz a verdade? pera... o que é "a verdade"? que diabos é isso, afinal?

Um outro exemplo, que acho bem poético: será que não somos pessoas dormindo num quarto escuro, com aparelhos no corpo todo, tendo experiências falsas colocadas na nossa mente? Será que não somos os personagens de um The Sims ultra-moderno e não sabemos?

Esse último exemplo pode lembrar o filme Matrix. E uma coisa engraçada é que isso foi proposto desde a antiguidade, por várias pessoas. A mais famosa é a de Descartes, que pensou se nós não seríamos pessoas sob o jugo de um gênio maligno, num estado de sono, com nossos sentidos sendo controlados de modo tão minucioso a estarmos presos num mundo virtual, mas que parece real de tão bem feito.

Quando se ensina a refletir e questionar as coisas, uma das expressões mais usadas pelos filósofos é a de "ter olhos de criança". É como se nós aprendêssemos a nos espantar com cada coisa do mundo - espanto aqui, da mesma forma que uma criança, quando olha as coisas pela primeira vez, sem preconceito, com admiração e curiosidade. Sem pré-conceito, sem ideias formadas. Olhar de forma virgem, nova, digamos assim.

Talvez por isso as crianças nos surpreendam com frequência: por usarem uma lógica prístina e honesta, e por isso inesperada e muitas vezes brilhante; e por vermos o quanto não sabemos sobre o mundo quando paramos pra pensar no assunto.