6 de fev. de 2010

Aprendendo a questionar

Eu lembro uma vez que a família toda foi passar as férias na casa da minha vó. Eu tinha uns dez anos e a minha priminha estava na fase do "porque". Ela devia ter uns quatro anos.

Porque isso? Porque aquilo? Porque? Porque? Porque? Tudo o que eu falava, ela perguntava. Era tudo mesmo; porque a gente ia brincar de saltar os obstáculos, de olhar as formigas, porque o doce-de-leite vinha em caixinha, porque o carteiro entregava... E não adiantava, quanto mais eu respondia, mais ela perguntava. Aí a gente ia chegando ao âmago dos motivos, e tinha hora que eu sentia que não fazia mais sentido perguntar. Eu falava "ué, porque é assim".

Eu até achei bem legal, porque eu ficava sentindo como se estivesse ajudando a educá-la, me sentia algo responsável e mais maduro. Mas tambem deve ser um saco pros pais, hehehe.

Ha pouco tempo eu estava procurando nas livrarias virtuais uns livros sobre bolsa de valores pra estudar (mais sobre isso numa futura postagem...) e por puro acaso topei com um livro sobre outra coisa que adoro - a filosofia. Esse outro livro era daquele tipo "filosofia para iniciantes" (eu me considero iniciante, por isso gostei dele u.u').
E o tema que ele abordava é bem legal. Ele queria ensinar as pessoas que filosofia é, antes de mais nada, aprender a questionar.

Quando a gente nasce, muita coisa é passada pra gente, então acabamos sendo criados com muitas verdades "prontas". O engraçado é que a gente cresce e caminha a vida toda agindo, muitas vezes, sem voltar atrás e conferir se aquelas coisas são boas pra nós, se realmente batem com nossa experiência do mundo como um todo ou se são um testemunho muito limitado e particular. Isso pode cair no lado trágico, de toparmos com coisas novas, que quebram com as verdade que nos foram passadas - e ao invés de adotarmos outros paradigmas no lugar, a gente ignora a coisa nova ou, pior, destroi ela. Isso é a autêntica ignorância em forma de tirania.

Então, a meu ver o grande papel da filosofia é voltar atrás e parar pra perguntar: "porque?".

Eu acho que é por isso que o estereótipo que se pinta dos filósofos ou dos amantes da área é de malucos, gente excêntrica, fora do convencional. E é isso mesmo. Se a gente para pra questionar as coisas mais básicas, a gente pode acabar achando respostas bem diferentes, o que nos tornará seres realmente diferentes. Talvez isso nos torne apenas autênticos ou "estrangeiros". Mas se a coisa for muito adiante, podemos nos tornar párias, contraventores ou mesmo alienígenas.

Então a gente pode pensar nas perguntas básicas como "Deus existe?", "de onde viemos?", "pra onde vamos?", "existe um propósito para o universo?". Só que aí vem a parte mais maluca da coisa: a gente pode questionar coisas ainda mais básicas, como "o mundo existe?", ou "eu existo??".

Algumas perguntas podem parecer absurdas. Mas isso (provavelmente) é porque a gente julga a resposta tão óbvia e auto-explicativa, que não paramos pra perceber um fato atrelado a isso: que estamos na verdade respondendo a pergunta com algo que nos foi passado, sem termos genuinamente pensado se tal coisa é assim. Um exemplo: a bíblia diz a verdade? a ciência diz a verdade? pera... o que é "a verdade"? que diabos é isso, afinal?

Um outro exemplo, que acho bem poético: será que não somos pessoas dormindo num quarto escuro, com aparelhos no corpo todo, tendo experiências falsas colocadas na nossa mente? Será que não somos os personagens de um The Sims ultra-moderno e não sabemos?

Esse último exemplo pode lembrar o filme Matrix. E uma coisa engraçada é que isso foi proposto desde a antiguidade, por várias pessoas. A mais famosa é a de Descartes, que pensou se nós não seríamos pessoas sob o jugo de um gênio maligno, num estado de sono, com nossos sentidos sendo controlados de modo tão minucioso a estarmos presos num mundo virtual, mas que parece real de tão bem feito.

Quando se ensina a refletir e questionar as coisas, uma das expressões mais usadas pelos filósofos é a de "ter olhos de criança". É como se nós aprendêssemos a nos espantar com cada coisa do mundo - espanto aqui, da mesma forma que uma criança, quando olha as coisas pela primeira vez, sem preconceito, com admiração e curiosidade. Sem pré-conceito, sem ideias formadas. Olhar de forma virgem, nova, digamos assim.

Talvez por isso as crianças nos surpreendam com frequência: por usarem uma lógica prístina e honesta, e por isso inesperada e muitas vezes brilhante; e por vermos o quanto não sabemos sobre o mundo quando paramos pra pensar no assunto.

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