7 de nov. de 2011

Liberdade de expressão: liberdade de ofensa?




Problema muito comum entre os humoristas recentes. Até onde alguém tem o direito de expressão? Quando se trata de profissão, tem limites?

Rola no facebook o viral em que o Rafinha Bastos se mete numa grande encrenca. Soltando uma frase sobre a gostosura de Wanessa Camargo grávida, ela compra briga e entra na justiça exigindo R$ 100.000 de indenização (que irá doar a uma instituição de caridade, caso vença, explicou ela).






"Comeria ela, e o bebê". o.O



Vamos, vamos. Não acho que ele quis dizer que tem fantasia com relação ao neném. Pedofilia? pfff... Pessoal está viajando na marionésia com os comentários que eu vi na internet. A gente tem que esperar de tudo nessas mídias sociais. Ele só quis dizer que ela é tão bonitinha que não se importaria com a gravidez. É comum o homem perder um bocado de atração pela mulher grávida. Existe o contrário, os que adoram, tambem. Me parece que ele se expressou como do primeiro grupo.

Baita dor de cabeça pro Rafinha, situação já vivida por Danilo Gentili e colegas do Pânico vez e novamente. A defesa comum usada pelos humoristas é que temos a liberdade de expressão. E ela me dá o direito de fazer o que eu quiser, oras!



"Galera, vamo trollar o holocausto, quem ta comigo levanta a mão"


Será?

Aí é que entram alguns dilemas. Pra me valer da aula de um professor, considere a lei em que é proibido entrar com cães no metrô. Os motivos principais são a higiene pública e a segurança num ambiente apertado em que o animal pode se sentir estressado. Neste sentido, o direito de um dono em andar com o animal publicamente é menor que o direito à higiene e à segurança coletivas.

Agora eu pergunto: e se o dono for cego? O deficiente físico tem direito de socialização como todos. Assim, se ele precisa de um cão guia para se deslocar, a lei buscou compatibilizar o direito à liberdade e à integração social do cego com o direito coletivo à higiene e à segurança. O resultado foi o reconhecimento do cão-guia como animal diferenciado, excepcional. Buscou-se assegurar a excepcionalidade do animal através de certas normas, que exigem o treinamento e a certificação dele para estas funções.



"meu, segura esse touro-guia! Cadê o dono?!"


A filosofia do direito entende que as pessoas são dotadas de propriedades intrínsecas, chamadas direitos fundamentais. Estas propriedades são aplicáveis em todos os sentidos possíveis, pois não se separam da condição do ser humano. Entretanto, na vida prática encontramos um fenômeno muito comum que é o conflito entre os indivíduos no exercício de tais direitos. Chamaríamos isto do dilema da vida social: tudo podemos, mas conviver em sociedade implica nisto mesmo, convivência - em teoria uma dialética de realidades.

E esses direitos fundamentais implicam numa harmonia automática? Olha, afora certos méritos de princípio (em que a análise implicaria na crítica à fundamentação filosófica desses valores), o que podemos responder com presteza é como se processa a harmonia destes direitos nos casos práticos. Independente de fazerem sentido ou não a priori, eles foram dados, portanto: como alcançar a aplicação máxima de cada um?

Se os direitos possuem interpretação horizontal, isto é, se todos são encarados como de mesma hierarquia, não cabendo a maior importância intrínseca de nenhum perante o outro; e se, portanto, os encaramos não como um conjunto, uma lista de elementos, mas uma unidade, esta, sim, passível de diferentes manifestações; então chegamos a uma maneira de encará-los tal que a sobrevalência de um sobre o outro não faz sentido, e escolher um a pretérito do outro quebra o próprio sentido de unicidade. Se a unidade é nula, não há, portanto, direitos que se manifestem. No exemplo do cachorro em metrô, não teríamos, portanto, sobrevalência literal de um direito sobre o outro, mas uma adequação entre as várias facetas de um mesmo objeto. Como uma moeda. Cada direito, portanto, é relativizado perante os demais.

Trocando em miúdos, se você xinga alguém, está ferindo seu próprio direito de expressão. Faz sentido?




Não.


Assim, chegamos à velha máxima de que os direitos não são absolutos. Eles atuam tendo em vista o corpo de onde vem. Um erro muito comum é usarem o direito de expressão como amparo para odiar e, mesmo, agredir a honra de outro. Ora, direito de agredir não é direito. Agredir é agredir, ação pura e simples, que não busca enquanto ação se justificar. Ela se basta a si mesma. Não cabe falar em "direito" de agredir, não faz sentido.


E então? O Rafinha Bastos tem ou não tem direito de ofender alguém? Claro que não!

A Wanessa Camargo se ofendeu. E ela tem direito de entrar na justiça. E o Rafinha tem o direito de se defender. E o juiz vai decidir da cabeça dele e inventar um juridiquês como desculpa analisar os direitos dos dois com ponderação e razoabilidade. A minha opinião sobre ter havido ofensa ou não é: sim, acho que houve. Eu, pessoalmente, entendi a piada. E acho que não me ofenderia no lugar dela. Mas existe a conversa entre amigos que se entendem, e existe a manifestação pública, que exige a atenção a pessoas muito diferentes de você.

E - claro -, existem ofensas e ofensas. Talvez a ofensa seja lícita quando provoque o repensar social. Talvez a questão mais importante não seja nem o princípio, mas a habilidade com que o humorista o aplica, gingando destramente em torno da ofensividade e tecendo sua crítica. Isso diz muito sobre sua competência como profissional. Alguns são tão bons que chegam ao ápice da sutileza.




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